06 fevereiro 2017

Cartas para Juliane - à moda antiga.






H

á poucos dias, minha amiga-irmã e eu decidimos rever todos os nossos segredos adolescentes que guardamos em caixinhas muito bem decoradas desde a época do colégio. Era um fim de tarde comum e eu, com os meus 28 anos de idade, saí do consultório extremamente eufórica, tal como a adolescente entre 14 e 15 anos do início da década de 2000. A ideia de reviver todos aqueles pequenos detalhes - que para as adolescentes da época não tinham nada de “pequenos” – era como voltar no tempo e ser colegial novamente. Na adolescência, tudo é muito mais intenso, mais dramático, mais cheio de vida – e de supostos fins da vida também.

Ingrid adorava me escrever cartinhas. Desde muito cedo, já dava sinais do quanto romântica era ela. Fazia isso com uma frequência razoável e, não raro, pontualmente às 7h da manhã, ela me entregava um papel dobrado, às vezes acompanhado de um envelope todo enfeitado feito à própria mão, escrito com vários tons de caneta colorida. Não passava, geralmente, de uma folha frente e verso, mas havia dias em que ela estava inspirada (tinha um paquerinha novo!) e passava para a segunda folha. Ela escrevia à noite, no dia anterior, e nela me contava todas as novidades das últimas 24 horas – embora estivéssemos boa parte dessas 24 horas juntas.

Eu, desde muito cedo também, já dava sinais da minha lentidão matinal pouco bem humorada. Estar no colégio às 7h não era necessariamente estar acordada, especialmente quando a aula das 7h era de geografia ou história – desculpe-me os que gostam, você pode ler “matemática e física” onde está “geografia ou história”, por exemplo. Normalmente, só na aula das 9h é que eu estava no mode on e, nesse intervalo em stand by, as cartinhas que recebia me ajudavam a acelerar e entrar no clima do colégio. Eu adorava receber as cartinhas, juro, mas respondi umas três apenas (ela guarda muita mágoa disso, descobri recentemente!). É que eu era mais prática e objetiva: rasgava uma folha do caderno e, ali mesmo no meio da aula, iniciava uma troca de bilhetinhos sem fim e já resolvia o assunto. Tudo bem, não tinha caneta colorida, envelope enfeitado e todas essas coisas delicadas que os românticos gostam... é, pensando bem agora, acho que deve ser por isso que ela guarda mágoa.

A verdade é que, seja na forma de cartinhas ou bilhetinhos descoloridos, tudo estava ali retratado naquelas letras propositalmente trocadas para ficar mais “cool”, influenciadas pelas novidades da linguagem mIRQ e MSN. Alternavam-se letras maiúsculas e minúsculas, o “s” virava “x”, o “c” ou o “q” virava “k”, abreviavam-se as palavras, usava-se uma espécie de smiles manuais para expressar um sentimento, resultando em algo do tipo:

B-jokinhaxxx da cArLinHaAa =]]]]]] e B-juuuuuxxx no s2 da GuigaxXx_ :****** ;p

Hoje me parece um tanto ridículo escrever desse jeito. Mas, não! Nós estávamos ali naquelas letras, nas músicas que curtíamos na época, nos dilemas e dramas adolescentes, nas brigas (sim, havia cartinhas de brigas na caixinha!), tudo estava ali, tão real quanto palpável. Foi incrível ter isso! 


Arquivo pessoal: Clássica de 2003.

O tempo passou e, agora, estamos nos últimos anos da década de 2010. Hoje, não se escreve mais cartinhas. Acho que os adolescentes agora não passam mais bilhetinhos no meio da aula porque é mais fácil e mais rápido escrever no whatsapp. Os smiles já estão prontos lá, basta um clique para se transmitir um suposto sentimento – cá entre nós, um tanto confuso de se entender. Até porque agora o whatsapp aumentou indiscriminadamente o tamanho dos emojis. Vocês viram? Que absurdo! Suponhamos...

Eu quero mandar um beijo comedido, discreto e simples, daí a gente coloca apenas um emoji de beijo, mas vai um emoji gigaaaaante pra pessoa! Como a pessoa vai entender que era apenas um beijo simples? Daí, o tamanho do emoji só diminui quanto maior for a quantidade de emojis enviados de uma só vez, isto é, eu teria que mandar vários beijos pra o emoji ficar pequeno. What???? Eu queria só UM beijo simples e discreto, mas só posso mandar ou um beijo gigante ou vários beijinhos. Definitivamente, não há como a pessoa não receber a minha intenção de beijo simples e discreto como um beijo grande e extravagante. Não dá!

Hoje, há também uma infinidade de risos virtuais. Não que eles não existissem antes, mas hoje a efemeridade das relações virtuais não te permite distinguir com clareza a expressão de cada um deles como podíamos fazer nas relações mais palpáveis de antigamente. Exemplos:

1. Resposta a sua mensagem com um “kkkkkkk” - interpretação: chorou de rir com a informação anterior, podendo também ser substituído pelo emoji rindo e chorando?
2. Resposta com um “rsrsrs” – interpretação: riso de canto para a informação anterior sem graça, com o objetivo de não te deixar no vácuo, podendo ser substituído por expressões como: “hum”, “tá”, ou o emoji de mãozinha dando um legal?

Entre esses extremos, ainda existe o “hahaha”, “kakaka”, “hehehe” e há ainda quem use um “kekeke”. Vai entender...

Mas, muito além das supostas interpretações de emojis prontos, a modernidade fez com que a gente não mais guardasse conversas. A gente deixa as janelas de diálogos guardadas conforme a memória do smartphone permita e quando recebemos a mensagem de armazenamento quase cheio, desfazemo-nos das conversas antigas. A nossa memória agora parece ser medida em bytes e suas demais escalas. Não existe mais uma caixinha muito bem decorada cheia de medalhas, fotos e papéis enfeitados. A gente quase nem revela mais fotos. No máximo, quando nos sobra um pouco de tempo, a gente salva em outra memória maior, medida em terabytes talvez, com um tamanho tão pré-determinado quanto, bem longe da infinitude do coração, da leveza da alma e do tato com a emoção.

Acho que vou ensinar a meus futuros filhos a escreverem mais do que digitarem. Algumas coisas valem cada metro de espaço real que a gente precisa reservar para guardá-las na alma.

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P.S. Com esse texto, eu estou me redimindo e pelo menos as minhas três gerações futuras de cartinhas supostamente não respondidas!

10 agosto 2016

Vamos falar (viver) de amores ridículos?

Coldplay Maracanã-RJ 2016

Q

uando mais nova, eu não era de fazer grandes planos para o “juntos para sempre” como se imagina que o tenha sonhado as pessoas do vídeo. Um amor pelo qual cruzar grades e subir palcos. Um amor pelo qual gritar para milhões de pessoas e aguardar ansiosamente que apenas uma delas escute. Primeiro, porque o verso “o pra sempre sempre acaba”, na voz de Cássia Eller, sempre martelava a minha cabeça como um tapa na cara e sem o menor rodeio. Segundo, porque as minhas atenções, naquele tempo, não se voltavam a nada além de passatempos adolescentes ridículos. Sim, ridículos, como diria Fernando Pessoa. O amor é ridículo e, se assim não o for, ridículo, não é amor. Mas, pra ser bem honesta, eu não poderia ser tão ridiculamente romântica convivendo com o surrealismo amoroso da minha amiga-irmã e o seu país das maravilhas. Alguém de nós duas precisava ter os pés no mundo real e esse alguém, definitivamente, não era ela. Ela me adoçou com seu romantismo e eu a protegi com o meu bom-senso. 

Era daí que vinha o meu gosto pela ideia de que aquilo que somos nada mais era do que a soma das pequenas doses de vida que cada encontro nos proporcionava ao longo do tempo. Seja com a natureza, com os objetos, com os seres. Sejam eles simpáticos, antipáticos ou apáticos. Todos os encontros, sem exceção, seguem a lei natural cantada pelos Novos Baianos e dão-nos a possibilidade de se deixar e receber um tanto. De forma que, quando já se deixara e recebera um tanto suficientemente razoável (e aqui abro um parêntese: por favor, não tente quantificar ou limitar isso), supõe-se que em um desses encontros, você encontre o seu eu daquele instante no outro, sem capas ou maquiagem, e queira juntar tudo numa coisa só.

E foi assim, quando não queria procurar, que eu encontrei e quis duvidar. Na época, o Los Hermanos me fazia pensar que era muito clichê para ser. Eu sempre gostei de contrariar. Mas, o fato é que eu me via no riso fácil, nos olhos acastanhados, na cor do sol, no jeito otimista de enxergar o mundo, nos sons gaguejados, na segurança dos passos. Com ele, eu conseguia ver o melhor e o pior de mim. Eu o encontrei, digo, eu me encontrei nele, de maneira que ele passou a ocupar em mim um lugar, pelo qual não se entra em negociação, um lugar que é só dele, independente do que haveria de acontecer com nós dois.

E o que haveria de acontecer que não fosse o amor na sua forma mais honesta? A garota que outrora tentava não ser tão romântica assim é a mesma de cabelos pretos presos e camisa branca amarrada na cintura do vídeo, que como o preto no branco, viu em seu par o melhor do seu romance sob a sky full of stars. É, o mundo anda tão desacreditado que falar de amor soa tão piegas quanto uma flor no punho das garotas acompanhadas. Mas, se conseguir sobreviver ao vídeo inteiro, chegar ao final das palavras e concluir que foi uma carta de amor ridiculamente piegas... é, talvez tenha razão. Talvez o Fernando Pessoa também esteja certo ao pensar que apenas os que nunca escreveram uma carta de amor é que são de fato ridículos. Talvez o amor seja não ter medo de parecer ridículo. Talvez seja sentir-se feliz apenas porque há, em um céu cheio de pessoas iluminadas, uma para quem fazer pedidos especiais e outra para quem escrever cartas de amor. Amores ridículos parecem não estar em moda nos tempos de hoje. Mas, como já disse, eu gosto de contrariar.




04 junho 2016

A Lua não me traiu!


E

u nunca fui de ler horóscopo. Sempre achei um rótulo muito estereotipado. “Libriano, libriana, cuidado com o excesso de trabalho. Hoje você terá uma grande surpresa no amor. Cor da sorte: lilás.” Como assim todas as pessoas de libra estão trabalhando demais e terão surpresas amorosas no mesmo dia? Vão sair todos de lilás nesse dia? Não, não dá.

Hoje continuo não lendo horóscopo e entendo bem pouco do assunto, aliás, quase nada – inclusive, os entendedores que me perdoem, caso eu fale alguma bobagem. Mas, numa das minhas idas à praia como de costume, acabei num barzinho diferente do que normalmente frequento. E todas as vezes que eu fui nesse lugar (eu disse todas), tive uma experiência bastante curiosa que vai desde um papo bem agregador sobre relacionamentos abertos até uma reunião mística de meninas na areia com direito a topless e garrafa misteriosa. Deve ser a energia do lugar, só pode.

Pois bem, numa dessas vezes, conheci algumas meninas que entendem bem de signo solar, ascendentes, lua, vênus, marte e outros termos astrológicos. Entendem tão bem a ponto de ser uma informação bem preciosa o signo do cara que se está conhecendo na balada. Eu, por exemplo, não saberia o que fazer com essa informação. Elas sabem predizer mais ou menos a personalidade das pessoas a partir disso, do mesmo jeito que o meu pai consegue discorrer a personalidade das pessoas a partir de fotos e grafias. No mínimo, bastante curioso.

Obviamente, eu quis saber o que os astros diziam sobre minha personalidade. A única informação que eu, principiante, sabia era meu signo solar. Disseram que a principal característica do canceriano é ser muito emotivo e dramático. Putz! Tinha coisinha melhor não para ser? Logo eu que sempre me achei bem ponderada? Ou eu não conheço nada de mim mesma – o que não deixa de ser uma possibilidade – ou essa parada de signo não tem nada a ver, como eu sempre achei. Das duas, uma. Mas, logo acrescentaram que o signo solar era muito pouco para se definir. Era preciso saber a posição de outros astros e isso dependia do horário em que nasci.

Assim que voltei, procurei a certidão de nascimento, entrei no site indicado e digitei lá: 02/07/1988 às 06h15min. Resultado: Câncer com o ascendente em Câncer. Não, alguma coisa deu errado, claro! Será que calcularam os anos bissextos? Como assim ser duplamente canceriana??? Emotiva em dobro, dramática em dobro, sentimental em dobro, fantasiosa em dobro. Tem condição de ser uma pessoa dessas? Não, definitivamente não tem. Mas, sim, de acordo com os astros, eu sou câncer com ascendente em câncer, queira eu ou não.

Ainda que bem desiludida e desanimada com os astros, já cantarolando: “quando o segundo sol chegar para realinhar as órbitas dos planetas...”, continuei a explorar o resultado e vi que no momento em que nasci, a lua estava em Aquário. Lá vai eu procurar saber como são as pessoas de lua em aquário. Seria, porventura, mais uma característica a triplicar o meu suposto sentimentalismo? "Não, eu não suportaria!" - disse eu, já ensaiando e sendo tomada pelo do ar de dramaticidade que me é atribuído.

“Lua em aquário prefere preservar-se emocionalmente e lida melhor com situações em que tenha liberdade de pensamento e expressão. Sente-se bastante desconfortável com rotinas excessivas, monotonia, padrões pré-estabelecidos e relações afetivas opressoras ou dramáticas.


Yes!!!! Finalmente alguma coerência dos astros, algum realinhamento das órbitas. Isso talvez explique eu ter passado meia hora rindo sozinha da criança de aquário do vídeo. É, Joelma do Calypso, a Lua não me traiu! E agora se alguém, despretensiosamente, perguntar qual o meu signo, a minha resposta será a mais completa possível, dentro do meu singelo conhecimento: Câncer com ascendente em Câncer, mas - don’t worry! - a Lua é em Aquário! Porque a primeira oração é bem constrangedora para ser simples e a segunda é importante demais para ser omitida... vai que a pessoa entende e acredita nessas coisas, né? Nunca se sabe.

02 junho 2016

Mas e Se...?

As coisas são do jeito que elas devem ser. Não há motivos para lamentar um Se qualquer. Não haveria outro jeito de se viver isso, não dentro da nossa realidade. Esse Se, que remete à dúvida, incompletude, lamento etc... “Ah! Mas Se ele...” Não, não quero ouvir. E nem vou carregar essa mágoa do destino de achar que as coisas deveriam ser diferentes, porque sei o que o Se, na sua infinita margem de possibilidades de transformar tantas ideias em possíveis realidades, poderia ser sim bem cruel. Logo, lamentar por uma realidade inexistente iria eu não ficar feliz pelo que tenho? Fico feliz sim, fico feliz pelo encontro.

Há quem não entenda o que acontece e que vive a se perguntar: qual é a real ali? Olhe... confesso que passei muito tempo me fazendo a mesma pergunta, questionando inclusive que espaço da minha vida você poderia ocupar, ao ponto de me causar certo incômodo do quanto tem se tornado importante. Mas pra explicar a quem se pergunta e pra me consolar eu vou me apropriar de uma a frase de Montaigne: "Porque era ele, porque era eu..” Mais claro, simples e completo, impossível.


Hoje me atrevo a afirmar que existe amor, não do jeito que as pessoas esperam e nem no formato de uma paixão fulminante. De algum jeito é amor. Um pouco longe de ser uma história tipo Emma e Dex, eu gosto de comparar um pouco com eles, mas só até aquela cena do telhado (risos). Gosto da inexplicável conexão que existe entre esses dois amigos.

Talvez as coisas mudem muito agora, ou não. “Mas e Se agora...” shiiii... Deixa, eu não quero ouvir. Talvez eu chore as pitangas e ouça meia dúzia de músicas, aquelas que eu gosto de ouvir para fazer tudo parecer mais dramático. Talvez as coisas continuem do jeito que sempre foram ou até melhorem, as possibilidades do Se vão se configurar realidade na hora certa, só sei que hoje o mundo está exatamente onde ele deveria estar. Por hora, o que eu posso dizer é só o que desejo agora: “Seja feliz onde quer que fores, mas se por acaso não possa me levar pela mão, me leve no seu coração e se por acaso não possa no seu coração me levar, me leve no seu lembrar.” (sim, eu parafraseei Ferreira Gullar bem feio kkkkk).


Filme: Um dia (2011), Direção: Lone Scherfig.




19 abril 2016

Valor-es


P

ior do que a perua de fato é a perua emergente. Já é difícil eu conversar sobre marcas e outras tantas futilidades que imperam no mundo delas, mas em se tratando daquelas que entraram nesse mundinho na última chamada, a coisa fica ainda mais sacrificante. As peruas emergentes, em sua maioria, alcançaram esse posto ao se casar com um cara bem de vida. Não querendo rotular, mas já. Não trabalham, seja por opção ou não. E já dizia a minha mãe: as pessoas que não trabalham não sabem o valor das coisas importantes da vida.

A rotina exaustiva que as acompanha é preenchida por compras, salão de beleza, chá das cinco e, por fim, um yoga para relaxar. É, bastante exaustiva mesmo, sem qualquer tom irônico! Fico cansada só de me imaginar passando mais que uma hora no salão. Mas, o que de mais marcante as acompanha cotidianamente é a terrível lembrança de um passado não rico. E, exatamente por isso, elas apresentam uma aversão bem característica a qualquer coisa que recorde de longe o passado que não pode de modo algum ser revelado.

Elas não suportam a ideia de estarem com pessoas de menor renda, muito menos de serem confundidas com uma delas. Agora elas são ricas e que fique bem claro isso. Julgam pobre a maioria dos hábitos que aprenderam quando criança, muitas vezes ensinado pelos seus próprios pais. Não gostam de centro das cidades cheio de lojas populares e pessoas diversas, nem que seja apenas pra comprar um prendedor de cabelo. Elas não gostam de se misturar. A palavra “promoção” deixou de existir no seu estreito vocabulário. Elas têm prazer em não apenas pagar mais caro, mas espalhar isso pra todos.

E, como transmitimos aos outros apenas aquilo que nós temos, a herança deixada por elas a respeito da definição de valor é um tanto distorcida. Quais as chances que seus bebês, vestidos como mini-adultos, têm de não enxergar a vida futuramente por esse ângulo fechado? É um ciclo vicioso, no qual a gente vibra ansiosamente por uma criança rebelde que resista a ele. Ostentar riqueza parece que virou moda. Uma pena! Bom mesmo seria se se mantivesse em moda permanente a riqueza da alma e os valores da vida, frequentemente repetidos na minha infância, como se só se pudesse tornar adulto depois de isso estar bem claro. Que sorte a minha!


04 abril 2016

Os (nós) do acaso que ficam.







H
á pessoas que apenas passam por nós na vida. Passam sem que deixem qualquer rastro, seja ele bom ou ruim. Elas não te fazem mal, também não te fazem bem. São pessoas outono, mornas com folhas secas. Às vezes, nem é uma passada rápida assim. É uma estação inteira de tão longa que é a parada. Mas, nada especial ligavam os trilhos de suas vidas. E quando o trem delas parte... quase não se nota a saída, quase não se ouve o barulho do apito, quase não se sente a mudança do tempo.

Há outras pessoas que a gente gosta. Gosta e não sabe explicar o porquê. Elas são primavera, são verão. Germinam, iluminam. Elas te fazem bem, até quando não estão tão perto assim, apenas por se saber que elas existem ali. Elas também são inverno. Às vezes, elas te fazem mal... às vezes. As pessoas nem sempre acertam e isso não diminui o valor que elas têm. Elas nos mostram algumas coisas importantes da vida, mesmo que não tenham a menor ideia disso. Ocupam um lugar paralelo, uma cadeira reservada. Elas compartilham gostos, sons, cheiros. E quando se pensa nelas, logo aparece um sorriso estampado no rosto.

Mas, às vezes, elas não podem ficar por perto todo o tempo. Elas também precisam ir – quem sabe, ser a estação de outras pessoas.  E a gente, num momento egoísta, não entende bem o porquê de elas precisarem ir. Pra que ser o outono de outro? Não poderiam trazer novos gostos, sons, cheiros aqui? E quando o trem delas parte... vê-se a vida em câmera lenta. Sente as batidas do coração apertado. Escuta palavras de despedida, doces e duras, ao mesmo tempo. Mudaram as estações e o tempo se encarrega de desatar os nós curtos.

Uma amiga – que ainda não precisou ir, felizmente - falava frequentemente como o tempo só nos faz lembrar as coisas boas. Parece ser verdade. Devem ser os nós longos os das coisas boas, os que não se desatam fácil. E isso não importa o tempo que tenham durado. Pode ter sido por três estações inteiras ou pode ter sido só num belo fim de tarde. Não importa. Elas - essas pessoas - permanecem em nós por toda a vida. E sempre irá lembrar-se delas com os felizes acasos: ao escutar uma música, quando ler um trecho de um livro comum, ao assistir a uma cena de um filme qualquer. Vai lembrar até quando, às vezes, esforçar-se fortemente para não lembrar... Não, não é por mal, é que desatar nós deixa a corda marcada, um pouco dolorida.

Não sou muito boa em me despedir das pessoas com as quais eu me importo – já disse isso aqui. Mas, gosto de pensar que quando isso precisa me acontecer, eu tenho coragem de deixá-las ir (elas precisam disso), de permitir que os nós curtos se desatem. E também tenho coragem de atar bem os nós longos, os bons (eu preciso disso). Outras estações virão e enlaçar fortemente os nós longos  ajuda a manter o doce sorriso nos lábios que os felizes acasos trazem junto às lembranças delas - aquelas pessoas que nos importam na vida. As outras, realmente tanto faz.


De outubro/2015. 

29 setembro 2015

Depressão virtual



E
m tempos de redes sociais, fico pensando o que leva as pessoas – incluo-me nelas  – a viverem virtualmente. Para alguns, ir ao barzinho com os amigos da vida real já não tem mais a mesma graça se não for possível fazer uma selfie e postar na mesma hora, de preferência. As pessoas mal se conhecem e já “adicionam” uma amizade eterna com o selo do Facebook. Não ter um Instagram hoje é praticamente não ter vida. Parece que você não existe. Sua vida é medida em likes e seguidores. Outro dia, ouvi no rádio uma promoção, na qual um dos prêmios para o ganhador incluía ser seguido por um famoso no Instagram. Que prêmio! Não sou muito experiente em paquera, mas eu soube que, hoje em dia, trocar endereços da rede social é sinônimo de mais seriedade do que trocar telefones, por exemplo, afinal de contas sua página online é quase sua vida e deixar que um recém-conhecido a veja é realmente uma grande prova de honestidade para um começo de uma relação. Eu soube.

É engraçado como nas telas as pessoas são extremamente felizes, vivem um amor de novela, têm os melhores amigos do mundo e são bem sucedidos profissionalmente. É uma estratégia de marketing em todos os ramos da vida. Pense bem, o que poderia faltar? Apenas bons expectadores que comprem essa ideia. É, por algumas vezes, a vida feliz não existe assim, não exatamente desse jeito. Mas, nada que um ângulo bem focado que exclua a bagunça ao redor e um filtro earlybird não resolva. Pronto, cores vivas e retrô para o cenário cotidiano apagado. Que perfeito! Todos hão de concordar, digo “curtir”, não há dúvidas.


Pois bem, para quem é promotor da vida feliz, não há como negar que traz alguma felicidade para si mesmo. As pessoas podem querer compartilhar momentos felizes sim. Convenhamos que ser bem acolhido faz bem pra qualquer um, mesmo que não seja um carente típico. Ser aprovado por muitas pessoas ao mesmo tempo, ser famoso no seu mundinho. E, cá entre nós, todos querem seu momento de fama. Todos, sem exceção.

Mas, e quem está assistindo a essa felicidade eterna? Para quem é expectador, nem sempre traz felicidade. Às vezes, é até entristecedor. Nossa, ficar triste com a felicidade dos outros? Não, nem sempre ocorre por ser uma pessoa ruim. Às vezes, não há como impedir que comparações sejam feitas, por mais racional que você seja ou pareça ser. O cabelo do outro sempre aparece lindamente esvoaçante, enquanto o seu está grudado e todo na sua cara. Pessoas da sua idade já parecem ser milionárias mesmo tendo entrado no mercado de trabalho há pouco tempo, da mesma forma que você. Várias pessoas estão na Europa, mesmo com o euro valendo quase cinco reais, enquanto você pega a estrada de todo dia. E não é por passeio não é? Eu acredito. Aí você pensa: o que eu tenho feito de tão errado na vida para não ter todo esse sucesso arrebatador? É depressivo – e enganador, diga-se.

Isso tudo porque ninguém posta uma foto quando as coisas não andam tão bem. Sim, nem tudo são flores para todos, até para Giselle Bündchen. Mas, ninguém quer repercutir para os sete cantos do mundo que descobriu uma traição – exceto Joelma da banda Calypso – ou que perdeu o trabalho sensacional na multinacional e que, por isso, não tem mais tanto dinheiro assim e não viaja com os amigos. É, algumas pessoas até divulgam repetidamente uma vida na qual nada dá certo, geralmente acompanhadas de indiretas ou textos de autoajuda. Mas, vamos combinar, quem quer ficar vendo diariamente as tristezas das vidas dos outros? Eu mesma sou a primeira a dizer: “Ai, lá vem o depressivo!”. É como se já bastassem as próprias tristezas que cada um tem que passar na sua própria vida.

Sem entrar no mérito da sinceridade ou não de quem promove a suposta felicidade, mas olhando sob a perspectiva de quem é expectador, a verdade é que a eterna felicidade de um nem sempre faz bem para a cabeça de alguns, mas a tristeza seja lá de quem for, por mais real e verdadeira que seja, é que não traz felicidade mesmo. E talvez isso, de as pessoas mostrarem uma vida feliz, sempre tenha existido e não seja um mal desses tempos. Talvez seja até mais benéfico do que se suponha e tenha encorajado mudanças de vida. Veja seu álbum de fotos de família, aquele em que a gente colocava as fotos reveladas. As pessoas geralmente estão sorrindo e parecem felizes, seu cabelo até não parece tão amassado quanto você achava. As fotos registram momentos felizes. Esse é o papel delas: ajudar a registrar na memória tudo o que foi ou é bom. Ninguém quer registrar um momento ruim, não deveria querer, pelo menos. Mas, isso não deveria nos fazer achar que o céu delas sempre aparece azul todos os dias, diferente do nosso. Se não fossem os grandes exageros da autopromoção e autodepressão online, eu diria que a única coisa que mudou é que antes você precisava ser vizinho de alguém pra achar que a grama dele é mais verde. Hoje, você só precisa de internet.


Por falar nisso, vou até publicar esse texto aqui, mas não ache que todo dia eu acordo metida a colunista de revista não. Hoje mesmo, eu só fui dentista mais uma vez, graças a Deus.